A Moda Não Volta: Ela Responde

Publicado por: Redação
30/12/2025 09:00:00
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Quando a moda parece familiar demais, geralmente é o presente tentando dialogar com o passado.
Quando a moda parece familiar demais, geralmente é o presente tentando dialogar com o passado.

Por que os ciclos das tendências revelam mais sobre o estado emocional da sociedade do que sobre o que está no guarda-roupa

 

A cena cotidiana que se repete — com outro significado

Você abre uma plataforma de moda na TV em nuvem, percorre vitrines digitais, assiste a um desfile transmitido ao vivo ou a um programa de compras. Em poucos minutos, surge a sensação de déjà-vu: modelagens que parecem conhecidas, referências que remetem a outras décadas, estéticas que você jura já ter visto antes.

 

Mas a moda não está “sem criatividade”. O que acontece é mais complexo — e mais interessante. Tendências não retornam; elas respondem. Respondem a crises, a desejos coletivos, a transformações sociais profundas. Vestir-se nunca foi apenas uma questão de gosto pessoal. É linguagem cultural.

 

A pergunta que realmente importa não é “isso já existiu?”, mas sim: por que isso faz sentido agora?

 

A teoria dos 20 anos — e seus limites

Existe um mito persistente no discurso da moda: a ideia de que tudo retorna a cada 20 anos. Embora sedutora, essa teoria ignora um fator decisivo — o contexto social.

 

O historiador James Laver, ao formular a chamada Teoria da Hemlínia, deixou claro que mudanças na silhueta acompanham mudanças morais, econômicas e políticas. Ou seja, não é o tempo que resgata tendências, mas a sociedade que as ressignifica.

 

A calça flare dos anos 1970, por exemplo, era símbolo de liberdade corporal, contracultura e rejeição às normas rígidas. Hoje, quando reaparece, carrega outra mensagem: nostalgia mediada por algoritmos, estética filtrada e desejo de individualidade em um mundo hiperpadronizado.

 

O retorno do Y2K segue a mesma lógica. Ele surge em um momento de incerteza global, crises sucessivas e exaustão digital. Não é ingenuidade — é escapismo estético. Um futuro otimista que nunca se concretizou, agora transformado em fantasia visual.

 

A forma pode parecer a mesma. O significado, jamais.

 

Moda como termômetro social

A moda reage às tensões do mundo como um sismógrafo cultural. Em períodos de instabilidade, ela costuma oscilar entre dois extremos: excesso ou contenção.

 

Nos anos 1980, o volume exagerado, o brilho e a ostentação refletiam um imaginário de crescimento econômico, poder e sucesso individual. Vestir-se grande era ocupar espaço simbólico.

 

Nos anos 1990, o movimento foi oposto. Minimalismo, tons neutros, silhuetas limpas. Uma estética que traduzia cansaço do excesso, crises econômicas e um desejo coletivo por simplicidade e introspecção.

 

Nos anos 2020, o fenômeno do quiet luxury emerge como resposta direta à instabilidade contemporânea. Tecidos de qualidade, cortes precisos, ausência de logotipos. Não é apenas elegância — é comunicação de controle, discrição e segurança em um mundo percebido como caótico.

A moda, aqui, deixa de ser espetáculo e passa a ser estratégia emocional.

 

Consumo circular ou nostalgia tóxica?

Nem toda revisitação ao passado é saudável. Existe uma diferença clara entre consumo circular consciente e nostalgia tóxica.

O consumo circular envolve reaproveitamento, curadoria pessoal e adaptação ao presente. Já a nostalgia tóxica transforma memória em compulsão — comprar para tentar reviver sensações que não retornam.

 

A indústria, especialmente em ambientes digitais e televisivos, sabe explorar esse gatilho emocional. Tendências aceleradas criam urgência artificial: compre agora para não ficar fora. O resultado é excesso, descarte rápido e frustração estética.

 

Uma forma prática de navegar esse cenário é aplicar o “teste do porquê” antes de adotar uma tendência:

Por que isso me atrai neste momento?

Isso conversa com minha vida real ou apenas com uma imagem idealizada?

Eu usaria essa peça sem validação externa?

Quando a resposta está mais ligada ao medo de exclusão do que à expressão pessoal, o sinal de alerta está dado.

 

Nossa Opinião — vestir-se como leitura de mundo

A moda não funciona em círculos perfeitos. Ela opera em espirais. Retorna a referências conhecidas, mas sempre em outro nível de consciência social.

 

Entender os ciclos das tendências é entender o momento histórico que estamos vivendo — e também o nosso lugar dentro dele. Vestir-se deixa de ser reação automática e se torna ato interpretativo.

 

Na próxima vez que uma tendência “voltar”, talvez o gesto mais sofisticado não seja comprar, mas observar. Porque quem entende a moda como linguagem, não apenas consome — comunica.

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